Por Ludmila Seriani Fontoura - equipe Hei.PossoFalar?
Vinte e quatro horas – GRÁTIS - de música, dança, circo, teatro, exposição e cultura popular. Um final de semana atípico em algumas cidades do interior, como nos municípios de Mogi Guaçu, Jundiaí, Bauru, Assis, Ribeirão Preto e Sorocaba, por exemplo. Isso porque, nos dias 22 e 23 de maio, 30 cidades do interior e litoral paulista foram palco da Virada Cultural, evento inspirado na festa da capital paulista e que, de acordo com a Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo, neste ano atraiu 1,3 milhões de pessoas em todo o Estado. O investimento do governo foi de R$ 6,5 milhões.
Colocada nas ruas pela primeira vez na administração, do então governador do Estado de São Paulo, José Serra, a Virada Cultural Paulista nasceu em 2007, sendo realizada em dez cidades do interior e levando para o gosto popular 381 atrações. Após, em 2008, foram 19 cidades participantes e 476 eventos e, seguindo a crescente ordem dos números, em 2009 a virada aconteceu em 20 cidades com 563 pontos de disseminação cultural.
De acordo com o coordenador da Virada Cultural, André Sturm, a escolha das cidades palco da Virada Cultural se dá, primeiramente, pela localização geográfica do município. “O intuito é ter a virada em todos as regiões do Estado. Mas outros pontos também são analisados, como a população, o interesse do município e a tradição da cidade em promover eventos culturais” – afirma.
Para o próximo ano, ainda não há definição sobre as cidades participantes. Sturm diz ainda ser cedo para falar em aumento no número de cidades que receberão a festa em 2011. Antes, Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo ainda realizará uma avaliação sobre a festa deste ano, para então iniciar o planejamento da próxima.
De cabeça na Virada do Interior
Para entender como a virada aconteceu mergulhamos de cabeça num território, digamos, longe... bem longe. Em Mogi Guaçu, uma das 30 cidades anfitriãs do evento.
É a segunda vez que o município recebe a Virada Cultural Paulista e, segundo o secretário de cultura do município Edenilson José Faboci, cerca de 40 mil pessoas participaram do evento. Neste ano, como a programação estava mais “rechonchuda”, se comparada a 2009, além do centro da cidade, outros locais também foram ocupados pelas atrações que incluíram artistas como Arrigo Barnabé, Arnaldo Antunes, Sandália de Prata, Dj Evelyn, a grafiteira Pankill, exposição sobre história em quadrinhos, artes circenses, teatros e os artista da própria cidade, o cantor Pedro Henrique junto à banda Lumiar, a banda marcial dos Ypês e a DivaDrive, que foram indicados pelo município e, posteriormente, contratados pelo governo estadual.
Para Ully Costa, vocalista da Sandália de Prata, banda samba-rock da capital paulista, a Virada Cultural é importante para os artistas, para a música brasileira, para a galera da culinária, para os grafiteiros e principalmente para o público. Para ela, a Virada Cultural é arte pura.
Quanta gente boa que a mídia comum não mostra. Quanta musica de qualidade que fica escondida atrás dos holofotes da grande imprensa. De acordo com Faboci, após a criação da Secretaria de Cultura no município, há dois anos, Mogi Guaçu está trabalhando para descobrir, redescobrir e incentivar os talentos que estão espalhados pelos diversos pontos da cidade. “Para nós a cultura não pode ser vista como algo supérfluo, por isso trabalhamos durante todo o ano, por meio de um calendário de ações, na descentralização da cultura, proporcionando espaço para todos, de maneira a impulsionar novas referências para a população” – comenta.
Além dos artistas, por incentivo da Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo e o apoio de órgãos municipais, Mogi Guaçu tratou também de assuntos pertinentes aos cidadãos, disponibilizando pontos de informação sobre a Lei Maria da Penha, educação no transito e previdência privada.
Dois dias de festa, dois dias de mistura cultural. Desde adolescentes de cabelo e cadarços coloridos a tiozões de cabelos compridos e colete nas costas, na virada todo mundo dançou, cantou, sorriu e aproveitou às 24h – GRATIS – de cultura.
E como vai a cultura? Bem, obrigada?
Não. Meia boca, de nada.
Analisando sob a ótica da escola de Frankfurt, que tem como base a Teoria da Indústria Cultural, o que se pode afirmar, com toda certeza, é que a cultura, no que diz respeito a pensamentos, obras de arte, espetáculos, cinema, leitura, etc., infelizmente, tornou-se um produto caro que pode ser consumido por poucos.
Claro, quem é que, em tempos de cachorro magro, consegue pagar R$40 por um convite individual para assistir a uma peça de teatro de qualidade? Ou ainda, R$15, 16, 19 por uma sessão de cinema? Isso é artigo de luxo para a massa, que sobrevive, muitas vezes com salários dignos, porém míseros.
De acordo com Fabiano Ormaneze, jornalista e professor da área de Estética e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), a centralização do consumo cultural é um problema que poderia ser evitado se houvesse uma política pública de acesso aos bens culturais, uma valorização das manifestações não elitizadas, a democratização dos meios de comunicação e, claro, a melhoria da educação – salienta. Neste sentido, mesmo passando por ações que visam proporcionar novas referências, como a Virada Cultural Paulista, importante estímulo para os cidadãos darem um passo adiante, a cultura precisa ainda ser democratizada.
Para o jornalista e professor, a Virada Cultural é válida como um incentivo e não como uma medida que resolve o problema da exclusão cultural. “Não adianta proporcionar 01 dia de atividades gratuitas, mas esquecer dos outros 364 dias do ano. Não dá para disponibilizar cultura de maneira limitada” – salienta.
É um jogo de dominó num país que não analisa. Assim, o anormal passa a ser normal. Ora bolas, falar sobre cultura envolve, primeiramente, a discussão sobre a educação do Brasil.
Vale Cultura: progresso?
O projeto de lei 5798/09, que se refere ao Programa de Cultura do Trabalhador e que contempla o Vale Cultura, ainda aguarda para ser apreciado na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Isso por que, após ser votado e aprovado em plenário no dia 14 de outubro de 2009, o mesmo seguiu para o Senado Federal, que apresentou emendas à câmara, em 22 de dezembro.
Até o momento, as emendas aguardam para serem votadas. Porém, segundo o sítio Agência Câmara de Notícias (http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/NAO-INFORMADO/4269-GOVERNO-QUER-VOTAR-24-PROJETOS-PRIORITARIOS.html), em março deste ano foi apresentada uma lista com 24 projetos que tem prioridade de votação até as eleições. Entre eles, não se encontra o Programa de Cultura do Trabalhador. De acordo com a central de informações da Câmara dos Deputados, a ordem de prioridade pode ser alterada a qualquer momento.
Mas, será que com a aprovação do Vale-Cultura as pessoas terão mais oportunidade para consumir cultura de qualidade?
Um ponto de atenção, e que merece destaque, é o entendimento que se tem sobre cultura no Brasil. De nada adianta proporcionar ao trabalhador a oportunidade de freqüentar um teatro, um cinema, comprar um livro ou mesmo um disco, se o Brasil continuar apoiando a Indústria Cultural, que tem o poder para direcionar o consumo e a capacidade de direcionar o olhar das pessoas apenas para aquilo que ela mesma colocou na mídia e considera ser cultura.
Se isso acontecer, andaremos em círculo e, novamente, daremos espaço apenas para as manifestações elitizadas: ao artista e não a obra, ao consumo e não ao significado, ao resultado e não a análise. Desta forma, consumiremos somente aquilo que é produzido em série para gerar renda aos grandes detentores da mídia, que visam o lucro a qualquer preço, mas que não se preocupam em disseminar, democratizar e gerar conhecimento.
É preciso incentivar a busca por novas referências, para que as pessoas formem um novo repertório, capaz de analisar e compreender o contexto em que estão inseridas, e não apenas consumam de forma desenfreada. O necessário é entender que a Indústria Cultural estuda o público que quer impactar para então direcionar suas ações. É um mercado inteligente, que pode engolir cada um de nós – com suas frases feitas, com suas noites perfeitas (trecho extraído da música Frases Perfeitas, do compositor e cantor Cazuza).